O albinismo, uma condição de pele que é provocada pela falta de melanina, continua um tabu em Moçambique. Muitos albinos são raptados e decepados partes do corpo para venda em cerimónias de superstição.
Nesta edição, o jornal O Campo conta a história de mãe Ângela Alfândega, de 32 anos, residente na localidade de Marconi, no distrito de Boane, província de Maputo.
Mãe Ângela é apenas uma das várias famílias que vivem em pânico e em estado de alerta para com os seus filhos. Dos quatro filhos que mãe Ângela tem, três são albinos.
Quando teve o seu primeiro filho, ficou satisfeita mesmo sabendo que ele tinha problemas de pigmentação. “Fiquei feliz porque não nasci uma cobra, mas uma pessoa com direitos iguais às demais, embora seja especial por ter a cor de cabelo e da pele diferentes”, disse mãe Ângela em entrevista.
No princípio, a ansiedade e receio de encarar a situação afectaram mãe Ângela, que teve imediatamente o amparo da família. “Quando nasci o primeiro filho, liguei para minha família e eles explicaram-me que na nossa família nunca havia tido uma criança albina, mas na família do meu marido existe uma tia dele que tem um filho com albinismo. E quando o meu marido soube que tínhamos um filho albino, comportou-se muito bem. Não ficou chateado”, relatou Ângela Alfândega.
O segundo e o terceiro filhos de mãe Ângela também têm problemas de pigmentação e os meninos são bem-vindos em Marconi. “No geral, os três são muito bem tratados na comunidade, embora, às vezes, sofram discriminação, principalmente na escola. Eles são chamados de “xiDjanas” (termo pejorativo usado para chamar pessoas com albinismo na região sul do País) e eu não quero e nem gosto de ouvir essa palavra”, disse mãe Ângela.
A onda de raptos de albinos que se regista em Moçambique fez com que os filhos de mãe Ângela ficassem assustados. “Eu fui à escola, pois uma das suas colegas assustou-a dizendo que seria raptada e assassinada. Isso causou-nos um grande medo. Ela ficou uma semana sem ir à escola por medo. Nasci pessoas, não animais para serem caçados. Por isso, fui informar à professora sobre o que estava a acontecer”, revelou.
Ângela Alfândega encoraja os pais que têm filhos albinos a não os abandonar porque quem abandona as pessoas com problemas de pigmentação também pode abandonar crianças com deficiência. “Devem ter coração para cuidar do filho como um dia foram cuidados. Não abandonem uma criança por ser albina ou por ser deficiente. Isso é triste e vergonhoso. Sejam bons pais e cuidem dos vossos filhos porque amanhã eles irão ajudar-nos. Choro por pensar que há crianças que são abandonadas”, lamentou.
Um dos desafios dos pais que têm filhos albinos é a aquisição de cremes ou medicação que ajudam as crianças albinas a se protegerem do cancro da pele. “Os cremes de hidratação da pele são muito caros para mim. Os preços variam de 650 a 100 meticais e vêm em garrafas bem pequenas. O meu marido é biscateiro e arranjar dinheiro constantemente é-nos difícil. Às vezes, o “Centro das Mercês” apoia-nos”, explicou a fonte.
É preciso amparar o albino
Marcelino Cossa é assistente social da organização não-governamental ligada ao albinismo, denominada “Centro das Mercês”. A fonte conta que a sua instituição tem como missão fazer o registo das pessoas com albinismo e fazer um acompanhamento psicossocial, para ampará-los.
“Depois de termos a informação sobre a pessoa, passamos para a formação e damos alguns cursos profissionais.
Temos trabalhado com o Hospital Central de Maputo (HCM) para situações de cirurgia e cuidados da pele”, disse Cossa, tendo acrescentado que, em Maputo, a organização assiste mil e 200 pessoas albinas, em processos que envolvem a distribuição de cremes para protecção contra o cancro da pele.
A “Centro das Mercês” está a levar uma campanha de sensibilização e palestras que envolvem a distribuição de manuais, dísticos e vídeos sobre a importância da protecção das pessoas com albinismo. Segundo o assistente social, as campanhas estão a contribuir para a mudança de comportamento de muitas pessoas que ainda têm o albinismo como um tabu.
“A pessoa albina é igual a qualquer tipo de pessoa. Cada um tem uma cor diferente do outro, mas não deixa de ser uma pessoa, em todo mundo existe uma pessoa albina, sejam negros ou brancos. Nas nossas campanhas, ensinamos que o albinismo ocorre não só no ser humano, mas também nas plantas. As comunidades devem assumir as crianças, independentemente da sua cor de pele porque elas são o futuro do País”, advertiu Marcelino Cossa, acrescentando que nenhuma parte do corpo do albino dá riqueza ou sorte no negócio.
Ainda segundo Cossa, há um mito que se tem alastrado nas comunidades rurais. “Muitos pensam que ter uma criança albina é consequência de uma relação extraconjugal por parte da mulher, o que faz com que alguns maridos abandonem as suas esposas, acusando-lhes de traição ou adultério. Isso não é verdade”, disse a fonte.
Governo deve fortalecer matérias sobre albinismo nas escolas
O assistente social da organização “Centro das Mercês” pede ao governo que implemente matérias sobre o albinismo nos livros do ensino primário e secundário, para que as crianças e jovens cresçam dotadas de conhecimento sobre esta anomalia, devendo ainda investir no Sector da saúde sobretudo na área de serviços de dermatologia.
“Cuidar de uma pele albina não é fácil. Um protector solar nos supermercados tem um custo muito elevado e muitas famílias moçambicanas não conseguem comprar. Para ter uma assistência dermatológica não é fácil. O governo deve investir nessa área. Há muitos albinos a sofrer porque não estamos a conseguir oferecer protectores a todos”, apelou a fonte.
Curandeiros influenciam na perseguição aos albinos
Em Moçambique, há relatos de que o cabelo, unhas, dentes, ossos e olhos de uma pessoa com albinismo são fontes de riqueza. A crença está a provocar uma onda de perseguição e assassinato aos albinos.
Víctor Maloa é estudante do curso de Antropologia na Universidade Pedagógica de Maputo (UP-Maputo). A fonte acredita que a perseguição aos albinos está relacionada com a religião e tradição africana. “Muitos não olham o albinismo como uma anomalia genética, mas sim como uma maldição. Por isso, acaba havendo curandeiros que associam as pessoas com problemas de pigmentação a poderes curativos e enriquecedores”, explicou Víctor Maloa.
O estudante entende ainda que o albino não é um ser anormal, muito menos uma conspiração espiritual. “Há quem acredita que manter relações sexuais com mulheres albinas pode curar dores da coluna. Imagine quantas adolescentes e crianças albinas podem ser vítimas de estupro por conta desses tabus difundidos por curandeiros?”, questionou Maloa contando que as soluções para extinguir a perseguição das pessoas albinas passam pela educação e sensibilização a nível das comunidades, sobretudo nas zonas rurais, sendo necessário que as pessoas não olhem o curandeirismo como um método para curar qualquer tipo de doença.
“A questão do albinismo não é bem-vinda numa família porque muitas acham que é maldição. Devemos educar as pessoas e é necessário que as entidades comunitárias e religiosas façam sensibilização e amparem as mães com filhos albinos”, sugeriu Maloa, segundo o qual essa sensibilização pode ser feita durante as reuniões comunitárias.
Ainda de acordo com o estudante de Antropologia, a perseguição das pessoas albinas ocorre com maior incidência na zona Centro e Norte de Moçambique, por estas estarem cercadas por países vizinhos onde também se registam casos de raptos de albinos para fins obscurantistas ou supersticiosos.
A fonte conclui apelando para uma maior união entre as pessoas com albinismo, de modo a que consigam vencer a discriminação e estigma por que passam.
Texto e fotos: Gulherme Chaúque