A audição aos declarantes do escândalo que deixou Moçambique endividado está no fim. Depois de, no mês de Janeiro do ano em curso, antigo governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gouveia Gove, ter ido ao Tribunal explicar que autorizou a contratação de empréstimos externos entre Proindicus e Credit Suisse, considerando que, na altura, a soberania do País estava em causa, seguiu-se a audição de Silvestre Inácio Suluda, antigo director de operações na empresa Ematum, Victor Bernardo, antigo Presidente do Conselho de Administração (PCA) da empresa Monte Binga, Alberto Ricardo Mondlane, antigo ministro do interior, Mahomed Zouaqui Fiki, arquitecto e administrador da empresa Walid Construções, e Armando Emílio Guebuza, antigo Presidente da República de Moçambique.

Silvestre Inácio Suluda contou ter sido ele que foi até ao Instituto Nacional de Administração Marítima (INAMAR), à Administração Nacional de Pescas e ao Instituto Nacional de Inspecção do Pescado para o registo das embarcações adquiridas com dinheiro proveniente dos empréstimos. Segundo o declarante, a construção dos barcos, que no projecto seriam usados para a pesca e protecção da costa de Moçambique, foi feita na França e foi antecedida de uma viagem feita ao estaleiro em Dezembro de 2012. Só depois daquela viagem é que arrancou o processo de solicitação de registo para licenciamento junto das três autoridades marítimas moçambicanas.

Proindicus foi constituída em um dia

Uma das empresas das Dívidas Ocultas, a Proindicus, foi constituída em apenas um dia. Victor Bernardo declarou no Tribular que foi criada e constituída no mesmo dia, uma vez que a Acta de Constituição e a Reserva de Nome já haviam sido feitas, de maneira privada, pelos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).

Segundo Victor Bernardo, não havia necessidade de se criar a Proindicus. “Na altura, questionei a necessidade de se criar a empresa Proindicus, tendo em conta que já existia a Monte Binga, com uma larga experiência no ramo empresarial da engenharia militar, desde os anos de 1995 a 1996. Inicialmente, a Monte Binga teria sido indicada para apoiar a implantação da Proindicus até à sua constituição. Embora não ter sido concretizada, e a Monte Binga apenas optou por conformar-se com orientações dadas”, informou o antigo PCA da Monte Binga.

Contou-se no Tribunal que a Proindicus tinha como accionistas as empresas Monte Binga e Gestão de Investimentos de Participações (GIPS). Ambas detinham 50 porcento de capital social. A Monte Binga representava o Ministério da Defesa Nacional enquanto a GIPS representava o SISE.

Termos de financiamentos da Proindicus não foram discutidos

Segundo Alberto Ricardo Mondlane, o Comando Conjunto, órgão dirigido pelo Presidente da República de Moçambique, e que integra o SISE e os Ministros da Defesa Nacional, do Interior e dos Transportes e Comunicações, em nenhum momento discutiu os termos de financiamento da empresa Proindicus, contrariamente ao que se tem dito por alguns réus. No entender do declarante Alberto Ricardo Mondlane, com mediatização do caso das dívidas não declaradas, só hoje percebe que muitos aspectos sobre a Proindicus vinham ao Comando Conjunto apenas para legitimação e formalização.

Ex-presidente Guebuza diz ter autorizado criação das empresas das dívidas ocultas

O antigo Presidente da República de Moçambique, Armando Emílio Guebuza, também ouvido no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, disse que autorizou a criação das empresas Proindicus, Ematum e MAM, as três principais empresas do caso das Dívidas Ocultas.

O antigo Presidente da República de Moçambique, Armando Emilio Guebuza fez este pronunciamento em resposta a uma solicitação do tribunal judicial da cidade de Maputo, através do Juiz da causa, Efigénio José Baptista, Representante do ministério Público, Ana Sheila Marengula e a Ordem dos Advogados de Moçambique, em relação a genesis da criação das três empresas, motivos do seu fracasso e os termos de financiamento.

Para se pedir o empréstimo de dois mil milhões de dólares norte-americanos que seriam usados nos projectos de pesca e de protecção da costa de Moçambique, Armando Emílio Guebuza diz ter delegado responsabilidades ao Comando Operativo, um órgão que integra os ministros da Defesa Nacional, do Interior e o Director Geral SISE.

No Tribunal, Guebuza justificou a importância dos projectos de pesca e protecção da costa. “O País enfrentava ameaças que punham em causa a soberania dos Moçambicanos sobre seu território. Através das forcas de defesa e segurança, estudou-se e concluiu-se que por um lado havia muitos imigrantes ao longo das fronteiras no Norte do País que entravam ilegalmente e em grande número. Tínhamos conhecimento de que havia traficantes de droga naquela zona do Pais, assim como chegada de drogas pela via marítima por meio da costa Moçambicana. Na mesma ocasião tínhamos situação de ataques de piratas de tal maneira que os piratas, vindo do Norte até Inhambane, ao longo da costa, capturaram navio de pesca com seus tripulantes que incluíam moçambicanos e estrangeiros. Simultaneamente tinham ataques da Renamo em Raphale e Murrupula, zona norte, em Nampula. Na zona centro, atacaram alguns dos nossos quarteis e assassinaram os nossos soldados”.

Empresas das dívidas não eram auditadas

Aquando da tomada de posse de Adriano Maleiane como ministro das finanças, em 2010, a garantia e a dívida da empresa EMATUM S.A. eram as únicas que constavam dos registos na Direcção Nacional do Tesouro. Maleiane procurou saber sobre os motivos do não registo das dívidas e garantias das outras duas empresas, a Proindicus e a MAM. Em resposta, Gregório Leão José e António Carlos do Rosário, antigo director-geral dos Serviços de Informação e Segurança do Estado e antigo Presidente do Conselho de Administração das 3 empresas, respectivamente, disseram que o assunto era secreto e de segurança do Estado. Por consequência, não havia possibilidade de, através do Ministério das Finanças, fazer auditoria às empresas envolvidas no calote ou apurar informações sobre a aplicação dos fundos referentes ao endividamento externo.